
João Batista Oliveira
Virtudes da escola e ensino a distância
Atualizado: 16 de ago. de 2020

Nos posts anteriores (leia aqui, aqui, aqui e aqui), colocamos em evidência a relação entre a fôrma e os ingredientes do bolo: a escola, enquanto instituição, possui mecanismos desenvolvidos ao longo de séculos que se comprovaram adequados para cumprir a sua principal função, que é a de promover o desenvolvimento cognitivo das crianças.
Hoje sabemos que esses mecanismos estruturais e não cognitivos são meritórios em si e importantes para os indivíduos e para a formação de capital humano. Mas também sabemos que há outras formas eficazes de ensino – que não apenas o ensino presencial. O fato de que a escola brasileira, especialmente a escola pública, não vem cumprindo seu papel de maneira adequada não tira a validade dessas afirmações.
Nos próximos anos, caberá à escola assimilar e digerir esses novos desafios. O 'velho normal', embora consistente em seus pilares, não funcionou no Brasil por uma série de razões. A mais importante é que as políticas adotadas não conseguiram atrair e manter no magistério jovens de alto talento – matéria-prima essencial para que a escola possa mostrar o seu insuportável brilho, na bela releitura que Olga Pombo faz da análise de Hannah Arendt sobre a crise da educação. Portanto, o 'velho normal' não constitui um bom ponto de partida. Mas não é esse o foco desta série de posts.
Repensar a escola
O desafio apresentado é duplo. De um lado, a pandemia nos deu oportunidade de refletir sobre as condições que levam o bom ensino presencial a funcionar. De outro, deixou claro que o ensino a distância não consiste apenas em reproduzir o modelo de ensino presencial: seu êxito vai depender de nossa capacidade de entender o que torna eficaz o ensino presencial e de aprender a utilizar as possibilidades da tecnologia para (a) fazer o que não conseguimos no ensino presencial e (b) incorporar às tecnologias as práticas pedagógicas que tornaram o ensino escolar à prova do tempo.
Este é um processo lento que requer aprendizagem. Nesses poucos meses, já vimos um pouco de tudo: tentativas de replicar aulas expositivas, tentativas de criar situações mais ou menos realistas de interação. Muito comuns são tentativas de ocupar o tempo com atividades triviais e desconectadas, a pretexto de manter as interações entre professores e alunos, como se o importante fossem apenas as interações e não o conteúdo que elas veiculam. Essas iniciativas podem ser válidas e importantes, mas possivelmente de baixa eficácia. Não captam a essência do ensino presencial nem do ensino a distância.
Um desafio é estender o ensino presencial, com bons professores, usando novos meios. É o que vêm procurando fazer algumas escolas privadas. Outro é escolher alternativas tecnológicas robustas para suprir e substituir, no todo ou em parte, a lacuna criada. É o que vemos, por exemplo, na iniciativa de alguns estados – notadamente São Paulo – com a proposta de ensino a distância. Um terceiro será o de estender estratégias existentes de ensino estruturado para a modalidade não presencial, como vêm fazendo muitas instituições privadas de ensino superior já acostumadas com o EAD ou municípios já afeitos ao uso de estratégias de ensino estruturado.
A pandemia abriu as portas para repensar a escola. Há espaço para vivermos no melhor dos mundos (ou pelo menos num mundo melhor), conciliando as virtudes intrínsecas do modelo escolar com as virtudes das novas tecnologias – muitas delas ainda desconhecidas ou inexploradas. Nesse mundo de incertezas, parece surgir uma certeza: a sabedoria estará na capacidade de conciliar a robustez do modelo escolar com a flexibilidade do modelo tecnológico. E isso exige conhecimento profundo de ambos.
Aprender a aprender
Essas são reflexões importantes para repensar o 'novo normal'. Essas, sem dúvida, são missões importantes da escola. No Brasil, a escola cumpre mal – e muito mal – sua função principal, que é a de promover o desenvolvimento cognitivo. Mas hoje também sabemos que, para promover o desenvolvimento cognitivo, é importante também cuidar desses outros aspectos. Só que um depende do outro – daí a primazia do cognitivo na definição da escola.
No curto prazo, as escolas precisam se preparar para reabrir, acolher os alunos, recuperar o tempo perdido. Também precisam se preparar para eventuais novos fechamentos. Mas, no longo prazo, interessa que a escola, especialmente a escola pública, se dê conta de que sua missão principal é promover o desenvolvimento cognitivo de forma harmônica com o desenvolvimento das habilidades psicossociais.
A pandemia e o ensino híbrido trazem de volta ao centro das preocupações um dos objetivos mais centrais da escola: promover a autonomia do aprendiz. Isso deverá provocar profunda revisão no currículo e no desenvolvimento robusto de habilidades básicas e de estratégias que permitam ao aluno aprender a aprender.
(Artigo originalmente publicado no blog Educação em Evidência.)
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João Batista Oliveira é psicólogo e Ph.D. em Educação pela Florida State University (1973). Pós-doutorado e Visiting Scholar da Graduate School of Business, Stanford University (1977-1978). Professor universitário no Brasil (UFMG, COPPEAD/UFRJ) e na França (Université de Bourgogne, Dijon). Em 2016, recebeu o Prêmio Darcy Ribeiro da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Publicou dezenas de artigos científicos em revistas nacionais e internacionais, bem como livros técnicos e outros voltados para políticas públicas. Foi diretor do Ipea e secretário executivo do MEC. Trabalhou como funcionário do Banco Mundial, em Washington, e da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra. Em 2006, criou o Instituto Alfa e Beto, que se dedica a promover o conceito de educação baseada em evidências e tem foco em intervenções voltadas para a educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, com ênfase na alfabetização e na leitura.
O artigo acima é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a visão do Educa 2022.