
Secom UnB
Primeiro surdocego se forma na UnB

"Como fui o primeiro surdocego, tive que lutar para conseguir meus direitos, para que outros também possam [entrar e graduar-se na universidade]", afirma Iury Moraes, o primeiro estudante surdocego a ingressar na Universidade de Brasília (UnB), em 2016. Ele conquista agora mais uma realização, sendo também o primeiro com a deficiência a se formar na UnB, pelo Instituto de Letras.
Em função da pandemia de covid-19, a cerimônia de colação de grau foi realizada por videoconferência, em língua brasileira de sinais (libras). Para o recém-graduado, a satisfação é muito grande, pois foram muitos os desafios para conseguir ser aprovado no curso de Língua de Sinais Brasileira/Português como Segunda Língua.

"Não foi fácil concluir os quatro anos de faculdade, mas participei de várias atividades e organizei meu próprio cronograma para acompanhar a turma", conta.
Iury quer ser professor para pessoas com deficiência e ouvintes que sabem libras. Em sua opinião, é preciso ter mais intérpretes e guias, assim como libras tátil.
"No meu futuro, espero continuar estudando, tentar o mestrado e doutorado, mas conciliando com o trabalho de professor", diz o graduado. Uma ideia de pesquisa é estudar e aprimorar métodos inclusivos de avaliação para todos os tipos de deficiência.
Acessibilidade
Para Iury, como primeiro surdocego da universidade, foi preciso fazer reivindicações para ter seu direito garantido. "Entendo que a minha chegada exigiu novas demandas, então tive que ter um pouco de paciência para aproveitar a oportunidade e promover atitudes. Lutar gera mudanças", reflete ele.
A Coordenação de Apoio às Pessoas com Deficiência deu suporte a suas necessidades. "Para garantir a inclusão no ensino superior, há que se estimular maior participação de pessoas com deficiência, organizando melhor os programas de apoio. É importante também que os universitários tenham mais contato com surdocegos e intérpretes", opina o recém-formado.
Como mensagem para aqueles que desejam seguir seus passos, Iury destaca que "o universitário precisa participar dos projetos da universidade, interagindo socialmente e buscando se autoincentivar. O mundo oferece possibilidades de encontrar o caminho certo".
Diretora do Instituto de Letras, Rozana Naves considera que a formação de Iury possibilitou à instituição enfrentar os desafios da acessibilidade em todas as suas dimensões: linguística, pedagógica e de infraestrutura humana e física. "A vitória dele é, também, dos estudantes surdocegos que chegaram depois e já encontram um corpo docente, discente e técnico mais capaz de lidar com a inclusão da pessoa com deficiência", sintetiza Rozana.
Defesa em libras
No mês em que se comemora o Dia Nacional dos Surdos, conhecido como Setembro Azul, a estudante Luísa Bandeira Coelho defendeu dissertação em libras, pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura. Com o título A saúde é para todos? Experiências de pessoas surdas no acesso à saúde, a recém-mestre conta que todo o trabalho foi realizado de forma bilíngue (libras/português).
"Eu sou surda, perdi parte da minha audição ao longo da vida e me comunico em português e em libras, também uso aparelho auditivo e faço leitura labial", conta ela. Orientada pela professora Larissa Polejack, atualmente diretora de Atenção à Saúde da Comunidade Universitária do Decanato de Assuntos Comunitários, Luísa Coelho afirma que foi acolhida desde o primeiro momento e incentivada a fazer a pesquisa qualitativa usando um método que permitia acessar as experiências dos usuários surdos dos serviços de saúde inteiramente em libras.
Em função de sua experiência como psicóloga surda e bilíngue, foi possível pensar em inovações metodológicas a partir do uso de imagens e do psicodrama. "O maior desafio foi traduzir o discurso dos participantes para a língua portuguesa, já que existem muitas diferenças gramaticais, e a expressão faz parte da narrativa, pois dá o tom e a ênfase do que está sendo falado", explica.
"Estudei o acesso de pessoas surdas usuárias de libras à saúde, investigando as experiências dos participantes em qualquer nível de cuidado. A barreira linguística e a falta de comunicação direta dos usuários com profissionais de saúde podem se desdobrar em múltiplas consequências e podem, inclusive, colocar a vida em risco", comenta ela sobre as principais conclusões do trabalho.
Com relação à importância de ter conquistado o título de mestre, a psicóloga salienta a visibilidade e a representatividade: "Quando um surdo ou qualquer outra pessoa com deficiência conquista um título de pesquisa, garantimos que a ciência realizada sobre nós também seja feita por nós. Isso combate estigmas e faz com que sejamos vistos e ouvidos nos meios de comunicação, e que a semente da promoção de acessibilidade esteja na formação de novos profissionais."