- Cláudio Lovato Filho
Imigrantes
Atualizado: 24 de Ago de 2020

A cena descrita neste texto, com alguns elementos de ficção – uma cena tão simples e ao mesmo tempo, pelo menos para mim, tão cheia de força e significado –, foi em parte presenciada durante uma viagem de trabalho à Pensilvânia, nos Estados Unidos, em 2010.
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Eles estão na Praça Rittenhouse, na área central da cidade da Filadélfia, um espaço público planejado há muito tempo, no século 17, pelo fundador William Penn.
Pai, mãe e filho.
O menino corre com a bola na grama muito verde e bem cortada, limitada por um cercado muito branco, muito bem pintado. O pai o acompanha. A mãe os observa à distância.
O menino tem 6 ou 7 anos e corre com a bola enquanto o pai, correndo um pouco atrás, vai narrando a cena na sua melhor tentativa de imitação dos locutores brasileiros de outros tempos:
“Ele é a alegria desta gente! Ele vai com a bola dominada de cabeça erguida em direção ao gol! Ninguém segura o maior ídolo desta torcida!”
O pai tem sotaque mineiro. O menino ri e ri e ri cada vez mais alto conforme ouve a caricata narração do pai.
Então o pai para de repente, põe as mãos na cintura, olha para o chão e respira fundo, aparentando cansaço, e depois olha para o menino e sorri.
Quando percebe que o pai já não o está mais acompanhando, o menino interrompe sua corrida e olha para trás.
“Come on, daddy!” – diz o menino.
E o pai responde:
“Coming!” – e agora já não há mais sotaque mineiro nem imitação de narrador brasileiro nem lembranças de outros tempos, tempos em que ia com o pai para a arquibancada do estádio que chegou a ser para ele como um segundo lar.
“Wait a sec, buddy!” – o pai diz e começa a correr em direção ao menino, sem pensar em mais nada além do menino.
A mãe os observa à distância. Sente nos olhos a presença nada parcimoniosa das lágrimas – lágrimas que misturam passado, presente e futuro, lágrimas de saudade, de amor sem limites e de uma esperança que, de tão forte e persistente, acabará se tornando indestrutível.
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Cláudio Lovato Filho é autor do romance Em Campo Aberto (Record) e dos livros de contos Na Marca do Pênalti (editora 34) e O Batedor de Faltas (Record). Nasceu em Santa Maria (RS), em 1965. Ainda na infância mudou-se com a família para Porto Alegre, onde, em 1988, formou-se em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Começou na profissão como repórter e editor, em jornais de Santa Catarina. No Rio de Janeiro, cidade na qual viveu por 20 anos, especializou-se em comunicação empresarial. Nesse período, realizou coberturas jornalísticas e participou da execução de projetos editoriais/institucionais em mais de 20 países. Desde 2016 é assessor de imprensa em Brasília.